Património imaterial

  1. Os caramelos

Os caramelos

Origem

A freguesia de Pinhal Novo atestou, desde o século XIX, fluxos migratórios de populações de diversas origens. O arroteamento das terras, outrora inférteis, assim o obrigou quando José Maria dos Santos, ao casar com D. Maria Cândida Proença, iniciou a produção de uma grande extensão de terreno.

IN: SAMPAIO, Caramelos, CMP.

Era já habitual o hábito de migrar para locais a Sul do Tejo procurando meios de sustento, por falta de terras para trabalhar nas regiões de origem.

Primeiro, segundo as fontes documentais, a zona de Azeitão, em seguida Moita e por fim Palmela.

Parece que por volta de 1859-60, os caramelos gandareses já por cá andavam nas terras entre Tejo e Sado.

Talvez proviessem de uma região _ a Gândara_ entre Coimbra, Figueira da Foz e Aveiro destacando-se os concelhos, por ordem de importância, de Cantanhede (freguesias de Tocha e Cadima), Montemor-o-Velho (Freguesia de Arazede), Figueira da Foz (freguesia de Quiaios), Mira, Pombal e Soure.

Fonte: “Beira Litoral” in Regionalização

José Maria dos Santos tinha contratadores que iam de porta em porta percorrendo as aldeias da Beira Litoral.

Caramelos de ir e vir” e “de ficar

Estas migrações devem ter começado por serem sazonais (“caramelos de ir e vir”) mas, a necessidade de abundante mão-de-obra para os trabalhos agrícolas exigiu um recrutamento fixo (“caramelos de ficar”).

Os “caramelos de ir-e-vir” vinham com uma mala de madeira contendo duas mudas de roupa e alguns alimentos, trabalhar para Rio Frio por temporadas, chegando por altura da vindima e regressando à terra natal para festejar o S. João.

Nestas estadias sazonais que duravam 9 meses, os migrantes dormiam em filas de tarimbas constituídas por pequenos estrados de madeira cobertos por palha de arroz ou quem tinha habilidade fazia colchões com as sacas cobrindo-se com a mantinha que traziam. Chamavam-lhe “a Casa da Malta” ou Malhada.

Em Rio Frio havia um espaço para as mulheres e dois para os homens. As crianças dormiam com as mulheres embora os rapazes a partir dos 15 anos passassem a dormir com os homens.

Fonte: PRATA, 2010.
Créditos: Manuel Giraldes da Silva

Vinham por vezes muito novos e sozinhos porque no local de origem não havia grandes extensões de terra para trabalharem. Crianças e adultos labutavam de sol a sol nos grandes campos agrícolas e trabalhos inerentes a uma grande herdade.

“Esses vinham ganhar – rapazitos com dez, onze, doze anitos – cinco escudos, cama e mesa. A cama era a malhada como a gente tínhamos e a mesa era um caldeirão grande (…), que era farinha de milho com hortaliça migada – comida prós porcos! – e algum feijão seco. Depois, faziam três filas, o caldeirão no meio, chegava ali tirava uma colher de sopa, uma colher daquela mistela, metiam na boca e iam pá fila lá pa trás, quando chegassem
a meter a segunda colher de sopa na boca, já a outra já não tava lá, já não existia. E ao jantar tinham então uma marmitazinha. Iam ao caldeirão, tiravam prá sua marmita e cada um comia na sua marmitazinha…”
(Fernando Crespim, 2002)

IN: SAMPAIO, 2005

Créditos: Manuel Giraldes da Silva

À noite, após o trabalho, os trabalhadores juntavam-se para conviverem, dedicando alguns dias da semana aos bailes.

Fonte: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

“Umas vezes era a toque de realejo, aquelas gaitas-de-beiço, e outras vezes havia um acordeonista. A gente lá se ia divertindo [risos] e [além da luz do lume] havia os candeeiros a petróleo, pendurados à porta do quartel, um em cada quina da porta…”
(Belmira Marques, 2003)

in: SAMPAIO, 2005

José Maria dos Santos para fixar alguns migrantes implementou um sistema de “foros”. Este processo de fixação dos “caramelos” constituí-se através do emparcelamento das herdades. O arrendatário teria direito ao usufruto das terras, através do pagamento de uma renda fixa, ficando o proprietário com as rendas. Cada camponês tinha direito a construir uma casa, plantar uma horta e abrir um poço para a rega. A venda dos produtos obtidos da sua produção permitia-lhe colmatar as suas despesas. Após a sua morte ficariam proprietários destas terras.

Este período foi um importante momento de viragem no desenvolvimento social da região. A partilha de terras fez com que os trabalhadores, sujeitos às precárias condições de trabalho e de vida, se pudessem tornar eles próprios proprietários. E ser proprietário é entrar numa nova dimensão social, alcançar um novo estatuto. A ligação à terra passa a ter um carácter mais forte e o indivíduo apropria-se do espaço, que passa a sentir como seu, transformando-o, construindo-o à sua imagem. (SAMPAIO, Caramelos)

Procedeu-se assim à colonização e os anteriores “caramelos de ir e vir” deram lugar aos “caramelos de ficar”.

Habitação

Distribuição das casas

O sentimento de pertença ao local é preponderante para o sucesso do processo de colonização. Para que este sentimento tenha lugar é necessário não apenas estar, mas habitar verdadeiramente o espaço, o que compreende a existência de um lar onde a família partilhe as emoções do dia-a-dia. Assim, a casa tem uma importante função integradora na reconstrução da identidade, tornando-se, quando criada de raiz ou adaptada pelo migrante, uma representação simbólica da apropriação do território. ( Fonte: SAMPAIO, 2005)

A colonização teve mais expressividade em alguns locais do concelho, especialmente na zona rural que envolve a vila de Pinhal Novo: Carregueira, Fonte da Vaca, Venda do Alcaide, Palhota, Vale da Vila, Olhos d’Água, mas também Lagameças e Poceirão.

Mapa com a localização das casas em 2008 na freguesia de Pinhal Novo. Fonte: SAMPAIO, 2017

Foram identificadas em 2017 cerca de 226 casas. No entanto, a maioria das casas encontra-se abandonada e/ou ruína.

Na zona este da vila o terreno tem uma distribuição muito ortogonal devido ao processo de repartição do território, e consequentemente os lotes têm áreas e configurações muito semelhantes entre si. Na zona a oeste este processo já não se verifica e como tal os lotes têm áreas bastantes diferentes e a localização das casas não segue uma regra.

A maioria das casas localiza-se essencialmente em meio rural e isolado, implantadas em terrenos agrícolas e sem vizinhos próximos e no ponto mais elevado do lote a que pertencem, de forma a evitar cheias na estação das chuvas.

Fonte: SAMPAIO, 2017

A casa Caramela inscreve-se no que João Cravo caracteriza ou define por estilo Chã: simples e funcional, despida de ornamentos, fundamentalmente estrutural e estruturante. É uma casa térrea, elementar, de planta rectangular com reduzidas dimensões, e sobretudo, com um carácter funcional muito acentuado.

Fonte: ANDRADE,

A casa não era entendida como é hoje: um espaço de convívio, de estar e descansar. Vivia-se na rua, os pais trabalhavam de sol a sol, as crianças que ainda não tinham idade para labutar brincavam perto de casa esperando o regressoda família, e os bebés acompanhavam as mães para poderem ser amamentados.

A casa era apenas utilizada para as actividades elementares como dormir, confeccionar
as refeições e desempenhar algumas actividades necessárias ao bem estar quotidiano, tal como costurar, secar a roupa para o dia seguinte e fazer a limpeza do espaço, tarefas que cabiam exclusivamente à mulher.

“Entigamente a gente só tínhamos uma muda de roupa… E depois vinham muito suadas e muito sujas, lavavam num alguidarinho ou num tanque e só depois punham assim numas
cadeiras de volta do lume a enxugar pó outro dia levar.” (Benilde Lagarto, 2004)

in: SAMPAIO, 2005

Planta da casa e áreas funcionais

Adaptado de SAMPAIO, 2017

Tipicamente, estas casas têm orientação este-oeste. A planta original, retangular, com a cozinha mais a norte, seguida da sala de estar ao centro e os quartos na zona mais a sul. Normalmente existem duas portas exteriores, uma na cozinha e outra na sala de estar. A composição e dimensões são dinâmicas. Ao longo dos anos foram sendo acrescentadas mais divisões, aumentando para norte ou para sul mas mantendo sempre a forma retangular da casa. Os espaços mais frequentemente acrescentados são a casa do forno, grande parte das vezes na zona mais a norte, e a adega e a abegoaria, na zona mais a sul.

A cozinha é o principal local de encontro da família: onde se reune, se alimenta e se aquece pois, é comum encontrar-se uma grande chaminé que servia para cozinhar e para aquecimento.

Fonte: OLIVEIRA, 2017

Esta divisão tem apenas um acesso para o exterior.

Fonte: OLIVEIRA, 2017
Fonte: OLIVEIRA, 2017

A lareira, construída ao nível do solo, situava-se comummente no canto inferior direito.

Reconstituição da Casa Caramela – Mercado Caramelo à Moda Antiga

Os pratos e canecas mais vistosos eram colocados num escaparate, normalmente de cor verde, azul ou castanha.

Quinta pedagógica da Casa Caramela, Palhota, Fundação COI/CMP.
Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Na esquina paralela, o poial onde se colocava o cântaro de barro com a água sempre fresca, e por baixo, coberto por uma cortina de chita, guardavam-se os utensílios de cozinha mais utilizados e por isso com um aspecto menos bonito, alguns condimentos que faziam parte da alimentação, como o azeite, e o petróleo necessário para acender os candeeiros.

Uma pequena mesa com dois bancos, “mochos” (pequenos bancos de madeira tosca) de apoio à chaminé

Quinta pedagógica da Casa Caramela, Palhota, Fundação COI/CMP.

Devido à inexistência de uma casa-de-banho, era também aí colocada uma pia, onde os habitantes faziam a sua higiene diária.

Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Duas a três arcas assentes em travessas de madeira, utilizadas para guardar o enxoval das filhas casadoiras, uma mesa de madeira e respectivas cadeiras, colocada no centro da sala, e algumas floreiras de pé alto, eram o mobiliário que
preenchia esta divisão.

Uma porta interior dava acesso à sala ou “casa do meio”. Este era apenas o local de passagem dos quartos para a cozinha.

Em ocasiões excepcionais – festas, enterros, ida do médico a casa – transformava-se
na divisão mais importante, local pelo qual os convidados entravam e aí conviviam.

Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook
Reconstituição de uma casa Caramela In: Quinta pedagógica da Casa Caramela, Palhota, Fundação COI/CMP.

Eram espaços bastantes pequenos, e onde toda a família pernoitava. Cabia apenas uma cama de ferro no quarto dos pais, ou a tarimba no quarto das filhas, uma cadeira para colocar o candeeiro a petróleo, o bacio (debaixo da cama) e uma colcha e tapete de retalhos.

Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Por último, delimitados por finas paredes de madeira, encontramos dois pequenos quartos. A cada um corresponde uma pequena abertura para a “casa do meio”, coberta muitas vezes, apenas com cortinas de chita.

Fonte: OLIVEIRA, 2017

O quarto principal, virado a este, estava destinado aos pais sendo o das traseiras, sem janela, ou apenas com uma abertura bastante pequena, para as filhas.

Em famílias bastante numerosas, os filhos homens, quando não existia espaço em casa, dormiam na adega ou na abegoaria.

“E não tínhamos lençol. Era uma manta mais velha, é que tava lá, lá por baixo. Quem se fosse deitar mais cedo ia buscar o saco do farelo pá cabeceira. Era uma coisa macia (…)”
(Joaquim Cavaleiro, 2004)

in: SAMPAIO, 2005

Candeeiros a petróleo. Fonte: domínio público.

A iluminação fazia-se com candeeiros a petróleo, mas nas casas mais pobres utilizavam-se lamparinas de azeite.

Lamparinas de azeite. Fonte: domínio público.

Tal como o exterior, o interior era também muito sóbrio, com poucos ornamentos. A decoração cingia-se a papel colorido – que recortado com precisão e engenho, tomava diversos desenhos e formas, sendo depois pendurado nas paredes –, a pequenas recordações compradas nas feiras, e figuras de santos, especialmente da Nª Senhora da Atalaia.

Piso em barro. Fonte: OLIVEIRA, 2017

A limpeza do espaço consistia em salpicar de água o pavimento que era todo de barro, para que não levantasse pó, e em tirar as teias, por meio de um vasculho preso a uma comprida vara de madeira, dos recantos da cobertura, que sem forro, permitia que se dormisse a olhar as telhas.

Telhado Fonte: OLIVEIRA, 2017

A casa rural não é apenas o local onde se habita, ela é concebida como um instrumento
agrícola indispensável à vida campesina. À medida que os colonos iam adquirindo mais posses, crescia o número de anexos que serviam de suporte à economia doméstica.

Fonte: OLIVEIRA, 2017

Construídos imediatamente ao lado da habitação, com acesso apenas pelo exterior, surgiam os arrumos das alfaias agrícolas indispensáveis à exploração da sua parcela de terra, a abegoaria, onde repousavam os animais, a adega, onde se fabricava vinho para consumo próprio ou para venda ao público, o celeiro, onde se guardavam os alimentos e a salgadeira, e o forno para a cozedura do pão.

Forno acoplado. Fonte: OLIVEIRA, 2017
Fonte: OLIVEIRA, 2017
Casa do Forno. Fonte: SAMPAIO, 2005

Este poderia ser acoplado às traseiras da casa ou na parede lateral da cozinha, locais mais protegidos das intempéries, ou então, construía-se um outro anexo, denominado por “casa do forno”, cujas paredes eram pintadas com oca, para que o negrume do fumo pudesse ser dissimulado.

Fonte: OLIVEIRA, 2017

Para completar este cenário rural existia o poço, o tanque, a pia para os animais e na zona mais húmida do terreno, a horta, a vinha e a ceara, imprescindíveis para a pequena economia doméstica, sendo também que, alguns dos produtos hortícolas eram vendidos pelas “caramelas” nas ruas e feiras de Pinhal Novo, Palmela e Setúbal.

Construção em terra

A utilização da terra para a execução de construções em geral e paredes em particular vem desde tempos imemoriais em locais onde a pedra escasseia sendo também característica
dos povos mediterrâneos. Está amplamente exemplificada em Portugal pelo que se designa por construção rústica, sobretudo no Alentejo e Algarve, onde a influência da colonização árabe mais se faz sentir, mas tambémém com presença marcada também no Vale do Tejo e nas zonas de Aveiro, Bairrada, Mira e Castelo Branco.


Taipa – terra compactada em moldes (taipais), formando paredes monolíticas

Adobe– terra moldada à mão e com a ajuda de pequenos moldes de madeira sem fundo e com formas diversas, formando blocos geralmente secos ao sol antes de serem usados ​​na construção

A construção em terra pode contribuir definitivamente para solucionar os problemas
económicos e ambientais e deve ser encarado como o material mais adequado
para fazer frente às carências da sociedade actual, a que os materiais de fabrico
industrial não podem responder. (SAMPAIO, 2005)


Parede de casa caramela. Fonte: SAMPAIO, 2017

As casas caramelas em termos construtivos, constituem pequenas edificações de alvenaria de adobe ao ser constituída por argila, agregados e fibras vegetais.

A escolha deste tipo de material, por parte dos migrantes vindos das Beiras, deve‑se a fatores de ordem económica e cultural. Tratando-se de trabalhadores rurais com parcos bens económicos, José Maria dos Santos fornecia gratuitamente a matéria necessária à construção das habitações. Em determinados dias da semana, os rendeiros dirigiam-se à herdade de Rio Frio onde pediam permissão ao patrão para recolher algum barro das suas terras.

O facto de se construir em adobe, deve-se provavelmente ao facto de nas Beiras ser esse o método de construção, contrariamente à taipa usada preferencialmente no Sul. A adoção desta técnica na região de Palmela representa mais uma vez, a herança cultural identitária da cultura caramela.

Casa da Gândara em adobe. Domínio público.
Solo argiloso Domínio público.

A construção era comunitária (habitantes, família e vizinhos) orientada por um Mestre que conhecia as técnicas. Nos locais determinados por José Maria dos Santos eram abertos grandes buracos, os “covados” ou “alagoas”, onde o Mestre, com a colaboração dos colonos, extraía a terra argilosa para o fabrico dos blocos de adobe que iriam constituir as paredes da casa. A técnica consistia em retirar o barro ao nível abaixo da terra arável, onde, pela sua composição, tinha uma maior plasticidade e compressibilidade, permitindo que se moldasse facilmente.

Depois, com a ajuda de uma enxada que regulava o volume de água, era amassado com os pés, tarefa na qual as crianças também participavam sendo que, habitualmente, se juntava à massa areia e/ou saibro ou palha para que ganhasse maior consistência e evitasse rachar, durante a cozedura ao sol.

Fonte: Construção em adobe, Museu de Calcutá

Por vezes, também se transportada para o local de edificação onde se fazia as misturas necessárias. Após a mistura estar feita, era amassada com o auxílio dos pés (semelhante ao processo de esmagamento da uva durante a época da vindima) e colocado em moldes retangulares, designados por adobeira.

“Estavam umas pessoas a amassar o barro, e outros com uma forma, chama-se uma adobeira, a alisar e a fazer. No fim de estar amassado, puxava-se a adobeira, punha-se aquilo tudo em carreira, depois tornava-se a fazer, até a gente ver que dava para fazer a casa” (António Faria Marques Fernandes, 80 anos, Arraiados).

in: SAMPAIO, 2005

O molde era retirado ao fim de um dia para que fosse possível seguir com o processo de fabrico mais rapidamente. Os adobes eram deixados a secar diretamente ao sol, durante alguns dias, de oito a quinze dias. Os adobes típicos desta região têm 55cm de comprimento, 40cm de largura e 25cm de altura, e rasada na parte superior para que ficasse completamente lisa e tomasse a forma de um paralelepípedo.

Casa de adobe: Processo de fabricação do tijolo de adobe. Fonte: Cidade de Pirenopolis
Fonte: SAMPAIO, 2017

As fundações da casa eram feitas a partir de uma escavação pouco profunda, ao longo do alinhamento das futuras paredes, que era preenchida com material diverso. Nas construções de famílias mais abastadas era utilizada pedra com a argamassa que compunha os blocos. Nas casas de famílias mais simples, a escavação era preenchida com os próprios blocos, existindo ainda casos onde as paredes eram erguidas diretamente no solo, sem fundação.

Processo de construção

Fonte: OLIVEIRA, 2017
Fonte: OLIVEIRA, 2017

Após a execução dos adobes iniciava-se a construção das paredes de alvenaria. Ambas as tarefas decorriam durante a estação seca (Primavera – Verão), devido à vulnerabilidade da matéria-prima utilizada enquanto não protegida. A argamassa de assentamento da alvenaria tinha a mesma constituição dos adobes, com uma espessura de 1 a 2 cm.

Fonte: OLIVEIRA, 2017

A duração total da execução de uma casa dependia do número de indivíduos a participar na construção.

“Os Caramelos faziam isto tão depressa que uma vez contava-se…contava-se por anedota, que um fez uma parede tão depressa que quando foi para ir almoçar teve que saltar pelo telhado, esqueceu-se de deixar a porta” (Duarte Antunes Matos Fortuna, 90 anos, Quinta do Anjo).

in: SAMPAIO, 2005

Fonte: SAMPAIO, 2017

As argamassas de reboco são executadas com base em cal aérea e areia e o acabamento era realizado por caiação (pintura com leite de cal).

Exteriormente, a casa Caramela é branca e, na maioria das vezes, apresenta uma barra azul ou vermelha na zona do soco.

À semelhança das paredes exteriores, as paredes interiores eram também rebocadas com uma argamassa à base de cal e areia e caiadas. No caso da cozinha e da casa do forno, as paredes eram caiadas pigmentadas com um tom de ocre, para no futuro não serem tão percetíveis os resíduos da queima da lenha acumulados.

O pavimento original da casa era em terra batida, executado com a aplicação da mistura usada para os adobes e batido com o auxílio de ferramentas de madeira ou pelos próprios moradores, com os pés.

Piso em barro. Fonte: OLIVEIRA, 2017
Fonte: Elio Matias

No pinhal, dois serradores encarregavam-se de cortar as madeiras necessárias
para a cobertura da construção. Com a ajuda de uma “burra de serrar”, feita a partir
da cabeça do pinheiro, iam cortando os barrotes, as ripas, as varas e as traves, que
os proprietários iam buscar para que o mestre, também carpinteiro, pudesse colocar
a estrutura do telhado.

A madeira era também utilizada para as divisórias dos compartimentos interiores e para as portas e postigos das janelas.

O restante material utilizado na construção era comprado em diversos locais da região: a telha de canudo, assim chamada por ter a forma de meia cana, era adquirida no forno do Montijo, as ferragens na drogaria em Pinhal Novo e a cal em pó num armazém que existia na Volta da Pedra, junto à entrada da vila de Palmela.

As janelas e portas originais eram de tamanhos bastante reduzidos e existiam apenas na fachada principal da casa.

Casa Caramela situada em Vale da Vila (2017). Fonte: SAMPAIO, 2005
Reconstituição de uma casa Caramela In: Quinta pedagógica da Casa Caramela, Palhota, Fundação COI/CMP.

No interior, as portas eram muito raras, sendo substituídas por cortinas de tecido em chita.

A telha é tipicamente marselha. As casas mais antigas apresentam sempre um telhado de duas águas.

Casa Caramela. Fonte: OLIVEIRA, 2017
Fonte: SAMPAIO, 2017

Sujeitos à grande pressão da cobertura, as casas tendiam a abaular. Para impedir esse efeito eram colocadas estruturas metálicas designadas por “gatos” nas extremidades de tirantes transversais às paredes de fachada, que têm como função conter as paredes exteriores sendo colocados durante a fase de execução das casas.

Fonte: SAMPAIO, 2017
Fonte: SAMPAIO, 2005

É também usual, mas não tanto como os tirantes ou gatos, a presença de gigantes – maciços de alvenaria transversais às paredes, que nem sempre eram de origem. Essa presença ocorre por questões de segurança, mas também por questões estéticas, por conferirem às casas uma maior robustez.

Quinta pedagógica da Casa Caramela, Palhota, Fundação COI/CMP. Fonte: Página electrónica da CMP.
Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook
Reconstituição de uma casa Caramela In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Alimentação

A base da sua alimentação era constituída pelos produtos que obtinha da sua produção: batata, feijão e repolho acompanhada de toucinho.

O peixe era comprado na lota de Setúbal sendo posteriormente consumido salgado e seco.

Na carne, o porco era o mais consumido, assegurando a alimentação do meio familiar a longo prazo. A carne era guardada numa arca de madeira com sal, assente em dois pedaços de madeira desnivelados, para assegurar a saída da humidade da salmoura. A matança do porco sempre assumiu uma ocasião de convívio e de confirmação de laços sociais.

A alimentação era pouco variada:

  • ao almoço – batatas com bacalhau
  • à ceia – sopa de feijão acompanhada com couve, toucinho ou chouriço de carne
  • em dias de festa: Natal e Festa Grande (N. Sra. de Atalaia) matava-se uma galinha.

In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

O pão de farinha de milho ou de trigo (mas em menos quantidade) era cozido em forno próprio. Cozia-se pão, ao domingo, para toda a semana e guardava-se numa arca de madeira, na cozinha.

In: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Vestuário

Calças de cotim. Fonte: Loja do Folclore

O caramelo, trabalhador rural, usava calças de cotim (tecido forte de algodão ou linho) azul às riscas, terminando em boca de sino.

Colete de cotim e camisa de riscado. Fonte: Loja do Folclore

Camisas de riscado com várias cores e sem colarinho. Sobre a camisa e quando o frio apertava ou quando as circunstâncias sociais o exigiam, vestia um colete de cotim com duas pregas atrás e dois bolsos à frente.

No Inverno usava camisolas interiores de algodão cinzento matizado.

Relógio de bolso. Fonte: Domínio público.

Num dos bolsos , guardava o relógio preso por uma corrente ou atacador de sapato, consoante as posses a uma casa de botão. O outro bolso servia de tabaqueira onde se guardava a onça, o livro das mortalhas e a caixa de fósforos.

Enrolar o tabaco utilizando a mortalha. Fonte: Domínio público.

Se a ocasião era de festa, usava um fato comprado no Pinhal Novo, depois de ter regateado muito o preço. Usava um chapéu preto ou cinzento, dependendo do clima ou das circunstâncias sociais.

Fonte: Manuel Giraldes da Silva

Na Herdade do Rio Frio usava um barrete preto de lã com uma borla.

O “caramelo” geralmente andava descalço. Em algumas situações sociais, usava alpercatas, tamancos ou botas.

Botas e tamancos. Fonte: Loja do Folclore

Nas deslocações transportava as botas na mão ou penduradas nas costas e só as calçava quando chegava a uma terra estranha. As botas eram de cabedal, com elástico e presilhas de cor castanha.

Fonte: Manuel Giraldes Silva – detalhe
Saia de chita. Fonte: Loja do Folclore

Usava blusas de chita, consoante a ocasião, usava um colete.

No dia-a-dia andava normalmente descalça.

A “caramela” vestia saia rodada com três metros de cotim ou de chita comprida até aos tornozelos, avental e lenço na cabeça. Para não sujar a saia vestia um “arregaço isto é, voltava a saia para cima e presa com uma corda colocada à volta da anca. Uma vez colocada a corda, o resto da saia era ligeiramente enrolado para cima, assim a saia não ficava tão comprida e não atrapalhava nos trabalhos agrícolas.

Fonte: Manuel Giraldes Silva – detalhe
Fonte: Manuel Giraldes Silva
Fonte: Manuel Giraldes Silva
Fonte: Manuel Giraldes da Silva – detalhe

Os rapazes usavam umas calças curtas ou calções compridos que davam um pouco abaixo do joelho. As calças ou calções eram presos com um único suspensório, atravessado na diagonal por cima do ombro. Tal como os pais apresentavam-se também descalços.

Fonte: Caramelos, Maleta Pedagógica, CMP.

Fonte: Mercado Caramelo – Mercado à Moda Antiga, facebook

Festas

Casamentos

Grande parte dos namoros acontecia à escondida dos pais da rapariga. O casal aproveitava o caminho para o trabalho e o regresso a casa, para de forma discreta, trocar as juras de amor.

Fonte: Manuel Giraldes de Silva

Todavia, era também comum as mulheres engravidarem ainda antes do casamento. Nestes casos, a cerimónia (frequentemente apenas civil) era apressada para que a gravidez fosse escondida dos olhares alheios.


O casamento consistia numa festa que se realizava na casa dos pais da noiva, para a qual eram convidados os familiares e amigos mais chegados. Os vizinhos mais próximos contentavam-se com a oferta de comida, confeccionada propositadamente em maior quantidade por este motivo.
Mas, além de ser um momento de festa, era também um momento socialmente complexo. Ao anoitecer, na maior parte dos casamentos, realizavam-se as ”Buzinas”, que consistiam num ritual em que um grupo de pessoas, escondidas pela escuridão da noite, fazia barulhos ensurdecedores perto da casa onde se celebrava, gritando, com a voz alterada para não ser reconhecida, defeitos e actos moralmente criticáveis da noiva.

“Quando era o Sábado ou ao Domingo quando havia um casamento, né?, era tantos búzios, tantos búzios … Ó’depois apitavam: uh, uh…” (Adélia dos Santos Ratão, 2003)

in: SAMPAIO, 2005

Ainda hoje, as mulheres mostraram-se chocadas com tal episódio.

Bibliografia

  • ANDRADE, Paula Maria Cruz – Pinhal Novo: movimentos migratórios dos “caramelos”, povoamento e construção de uma identidade cultural. Pinhal Novo: Junta de Freguesia de Pinhal Novo, “Colecção Origens e Destinos, nº 10”, 2009
  • CABRITA, José António – Entre a gândara e a terra galega. Pinhal Novo: Junta de Freguesia de Pinhal Novo, “Colecção Origens e Destinos, nº 2”, 1998.
  • DIAS, Mário Balseiro – Círios de Caramelos. Pinhal Novo: Junta de Freguesia de Pinhal Novo, “Colecção Origens e Destinos, nº 4”, 2000.
  • OLIVEIRA, Inês Carvalho de – Mapeamento e caracterização das casas caramelas na zona de Pinhal Novo. Adobe de Setúbal – Seminário, 20 de maio de 2017. Lisboa: UNL Faculdade de Ciências e Tecnologia. 2017
  • OLIVEIRA, Inês; Sampaio, Teresa; Faria, Paulina – A casa Caramela – Construção em alvenaria de adobe da região de Palmela In: CREPAT 2017 – Congresso da Reabilitação do Património, 29-30 Junho 2017, A. Costa, A. Velosa, A. Tavares (Eds.), Universidade de Aveiro, ISBN: 978-989-20-7623- 2, p. 149-157
  • SAMPAIO, Teresa – “Memórias do habitar – Arquitectura e Vivência Caramela” in Boletim + Museu, nº(s) 4 e 5, 2005. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2005.
  • SAMPAIO, Teresa – A apropriação do apelativo Caramelo na construção identitária de Pinhal Novo. Lisboa: ISCTE. 2009. Dissertação de Mestrado em Antropologia: Patrimónios e Identidades.